quarta-feira, 11 de abril de 2007

Balão?


119 Kgs foi o número que a balança digital acusou em vermelho gritante. Nessa hora Maura ouve, vindo do fundo da farmácia um risinho de escárnio. O balconista era feio, porém magro, de uma magreza insuportável, chegava a envergar. Maura desistiu de comprar o suplemento dietético com o qual pensava que fosse começar um regime para emagrecer. É emagrecer mesmo, Maura era muito gorda, e baixinha coitada. Depois da desistência o que sobrava era sair da farmácia e evitar os olhares do rapaz magricela baixando a cabeça.

Nervosa, resolveu ir caminhando para casa, queria pensar na vida. Ilusão. Poucos passos depois foi persuadida pelo sol do meio dia de que a idéia mais interessante seria não ir embora à pé. O ponto de onibus estava perto, e poucos minutos depois passava um que ia direto pro seu bairro.

O onibus chegou cuspindo gente pelas janelas. A sorte de Maura foi que mais da metade dessa gente desceu no ponto em que ela estava tentando subir. Ela se sentou logo em uma das primeiras cadeira, ali mesmo naqueles que precedem a catraca, que já não ultrapassava a algum tempo graças à forma interessante de sua cintura. Ficou ali na frente sentadinha, se é que o diminutivo lhe possa ser aplicado.

Existe uma constante na vida dos gordos e essa é o suor. Não existem tempos quando o frescor poderá estancar essas cachoeiras ambulantes. Não. Maura esta ali: sentada, suando o buço, pra não dizer bigode e esperando a hora de desembarcar em seu ponto. O cobrador do onibus olha estranho quando ela pede pra descer pela porta dianteira e comenta maldosamente com o motorista o pedido feito. Quando a porta se abre Maura paga seu passe, e ouve a gargalhada horripilante do condutor. Aquela gargalhada era coisa de cinema, de bruxa de historia infantil. Maura quase se quebra de medo ou melhor, derrete, como se fosse gelatina no sol.

Agora falta pouco pra chegar em casa, a caminhada é pequena, e a tristeza não é proporcional. Além de tudo tem a fome. Sempre tem a fome. Maura não se satisfaz. Abre a porta desesperada e corre em direção à cozinha. A geladeira é sempre um bom ombro onde se pode chorar e a lembrança de uma torta inteira de chocolate lhe deixa mais calma.

Maura come a torta inteira. Devia pesar mais ou menos 1,5Kgs, mas isso não foi problema algum. Ela é louca por chocolates. Comeria um buffet inteiro de artigos feitos de chocolate. Até sonhar com uma casa de chocolate ela já havia sonhado. Não que ela não saboreasse outras coisas, Maura não se restringia a nada, apenas o chocolate era favorito. A torta foi o calmante do dia. Maura esquecera o magricela da farmácia, o motorista maldoso, e o cobrador. Na ideia de Maura cobradores eram apenas cobradores, não existiam adjetivos que lhes pudessem ser ofertados.

A satisfação brilha nos olhos. Nesses momentos Maura até se sente feliz. O problema é que ela não pode ser feliz. Maura não vive, apenas come. Como uma pessoa que não vive pode ser feliz? Come e engorda. E junto com a gordura vem uma tristeza chata de se agüentar. É a tristeza da feiúra, a tristeza da solidão. E Maura descobriu porque engorda tanto: não é porque come, é pela solidão mesmo. Ninguém fala com ela nem se quer um bom dia. Ninguém quer ela por perto. Ou ela não se quer perto de ninguém. Não conseguimos ir tão fundo nos sentimentos de uma pessoa para descobrir a verdade.

Maura vai continuar sozinha, comendo e engordando, até chegar o dia que vai ficar tão grande quanto um balão e inflar colorida pelos ares. Depois vai estourar também como um balão. Dizem as boas línguas, simpáticas à Maura, que a cidade nesse dia vai ficar com um doce cheirinho de chocolate.

Nenhum comentário:

Ofertas e promoções de notebook, camera digital, iPod, computadores, etc