quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Carne moída com despeito.


De todas as ruínas que uma pessoa pode amargar a pior é o abandono. Maristela foi abandonada pelo namorado. Ela que tinha se tornado uma mulher sem graça para agradá-lo. Ela que se anulou. Ela que não tinha mais aquele sorriso de hipnose. Ele foi embora. Ela morreu. Não de tristeza.
Engordou devagar e persistente nos cinco anos que se seguiram. Transou apenas mais duas vezes, e isso no primeiro ano. Não conservou os amigos. Voltou para a casa da mãe. Engordou um gato asmático e antipático.
Foi atropelada por um onibus enquanto comia uma bomba de chocolate distraída. Estava na faixa de pedestre mas o açúcar delirante do recheio de brigadeiro a impediu de ver o sinal aberto para a avenida abarrotada de carros.
Os passageiros reclamaram do atraso inesperado. Xingaram a desconhecida gorda Maristela amassada e triturada pela roda do onibus. Todos xingaram a gorda. Xingaram tanto que Maristela se ofendeu. Agora é uma alma dessas bem assombradoras. Aparece todas as noites na doceria. Não permite que ninguém se aproxime das bombas de brigadeiro antes que o sol nasça novamente.
A doceria abre às oito.
Fecha às seis.
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