domingo, 25 de março de 2007

O abandonado.

O barulho da sirene era suficiente para despertar as maiores histerias infantis. As crianças saíram correndo pelo portão. 17:05.

Abraços fortes em pais duramente separados durante quatro horas e meia, intermináveis.
Ele estava ali no meio. Uma barulheira, histórias a serem contadas com euforia. Ele também estava ansioso como os outros, mas cadê a mãe? Não tinha pai, nunca tivera. Ele nasceu da vontade da mãe de ter o filhinho mais lindo do mundo. Essa era sua história, ou pelo menos a que ele carregava dentro de sua cabeça e coração, porque ele mesmo pequeno, sabia que os sentimentos se guardavam sempre no coração.
A mãe começava a demorar, mas nada extraordinário. 17:15.

A frente da escola já estava quase vazia, o portão fechado e um zelador engraçado que conversava sozinho enquanto varria a calçada repleta de folhas secas e de toda a sorte de plásticos que embalavam os doces e outras coisas que eram comidos no ritual da saída. Elas, as crianças não comiam maçãs. Raras vezes.
Já não esperava de pé, tinha tirado a mochila das costas e se sentado na sarjeta. Ficou olhando os passarinhos e o seu canto que começou a se confundir com “Pour Elise” vinda da esquina, propagada aos ventos por um feio caminhão de gás. 17:27.

Ele começou a se lembrar de tudo que fizera depois que se separara de sua mãe. Não podia esquecer nenhum detalhe, ela ia gostar de saber de tudo, ela sempre gostava. E hoje tinha acontecido tanta coisa: correu, pulou, comeu, as tarefas feitas em classe, as por fazer em casa, e um ralado no joelho que tinha sido limpo e desinfetado e que estava meio alaranjado. O anti-séptico usado foi que tingiu sua perda de uma cor que não lhe era natural. As lembranças todas guardadas. 17:34.

Uma professora passa de carro e lhe oferece uma carona. Ele aceita, ia encontrar a mãe pelo caminho e ainda lhe economizava alguns passos. Ela merecia, coitada, sempre tão cansada. O caminho feito com uma paciência cotidiana agora passa rápido. Um mundo conhecido, visto de outra forma. Chegou na porta de cassa. Corre pelo portão. O carro vai embora. 17:41.

No dia seguinte ele não foi à escola. A noticia saiu no jornal impresso: “Bala perdida mata mais um. Dona de casa é vitima de tiroteio.”
Ele sozinho chora. Chora muito. Muito...

Não existem mais horas.

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