domingo, 25 de novembro de 2007

Viril.



Eu não me lembro de minha mãe. – Esse pensamento só passou pela cabeça de João quando pela primeira vez ele calçou um dos sapatos de salto alto que a mãe lhe havia deixado como herança. Aquele amontoado de vestidos, jóias e sapatos não era sua herança de verdade, mas ele adoraria se tivesse sido.
Passava as tardes sozinho em casa enquanto o pai trabalhava. Não conversava muito com esse pai que guardava uma espécie de rancor por ter que cuidar de um filho que tirou de sua vida a mulher que amou muito. Nunca mais encontrou outra. Não outra que amasse porque mulheres, teve aos montes. Todas pagas. Não queria ter sentimentos por nenhuma. Aquele filho-estorvo nem sequer sabia disso. Menino esquisito.
Joãozinho era calado. Aprendeu com o pai a ser assim. Em casa quase não existiam diálogos. A vida seguia triste até o dia em que descobriu os sapatos. Ficaram um pouco largos, mas gostou de usá-los e ficava caminhando pela casa o tempo todo em que ficava sozinho. Era como se sentisse sua mãe lhe acariciando. O tempo passou a ser menos triste e o menino que tinha quatorze anos foi crescendo menos triste.
Os pés cresceram, os sapatos ficaram bons. Agora também já usava os vestidos. E dançava com eles. E se deixava inebriar pelo perfume de roupa guardada. Tudo ali era sua mãe. Aos poucos tornava-se um homem, que muitos diriam bonito. Tinha um sorriso tímido, quase feminino. Era dessas beleza de quase anjo, os cabelos compridos, louros, o rosto jovem, fresco.
Os pés já não cabiam mais nos sapatos, ficaram grandes demais. Foi nessa época que o pai morreu. Agora sentia-se menos sozinho.
Um dia se cansou dos vestidos.
Saiu pra rua e pegou a primeira prostituta que lhe ofereceu os serviços. Perdeu sua virgindade. Saiu dali realizado. Cortou os cabelos. As roupas do pai e da mãe doou a quem precisava. Não havia mais função em guarda-las. Terminou os estudos, começou a trabalhar, namorou bastante, freqüentou festas. A vida segue como deve.
Hoje é domingo e enquanto volta da padaria com o pão quentinho não faz muita questão de se lembrar de tudo isso. Está feliz. A mulher espera em casa preparando o café. O filho ainda estará dormindo, e quando chevar vai acordá-lo com carinho. Hoje é dia de almoço mais caprichado. Hoje é dia de futebol na televisão.

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