quarta-feira, 17 de novembro de 2010
A moralista ou Ele vai pagar a viagem?
- Eu estou ficando doida sim.
- ...
- O Pablo, me apareceu hoje, do nada, dizendo... Falando para combinarmos uma viagem para a Bolívia.
- E?
- Ah não, eu vou ficar doida. Ou então para o Nordeste. Ele é louco. Eu não dou conta disso não. O cara some por quase dois anos e volta do mundo dos mortos como se estivesse fora há duas semanas.
- Vai, uai...
- Eu não. Nem fodendo.
- O que é que custa?
- Ah!
- É só uma viagem.
- Eu não. E se eu tiver vontade de matá-lo? Como é que eu vou fazer?
- O Nordeste, o sol, a senhora bronzeada, de biquini, bebendo caipirinha de siriguela na beira da praia.
- Não. Isso não tem cabimento... E...
- Por quê é que eu não recebo nenhuma proposta assim?
- Que loucura!
- Acho que ando me relacionando com as pessoas erradas. Ou não me relacionando.
- Eu não preciso disso. E não tenho paciência.
- Todo o mundo vive aventuras amorosas, sexuais. Menos eu e você.
- ...
- Você namora um palhaço, de circo, literalmente, e eu... Sonho com o panetone trufado que vejo na prateleira do supermercado.
sábado, 13 de novembro de 2010
... ou Deus não existe.
O corpo ficou irreconhecível, espalhado pelo asfalto, desconstruído. A velha senhora não viu o ônibus que vinha em sua direção com velocidade considerável. A roda direita dianteira passou por cima. O motorista tentou uma frenagem que só serviu para que a roda traseira a arrastasse por cerca de vinte metros até parti-la em dois. Uma moça na calçada gritou desesperada. Era tarde. As vísceras pelo chão.
Conceição casou-se jovem, aos quinze anos, um casamento arranjado pelo pai. Conheceu o marido duas semanas antes do casamento. Era branca, mimosa, de cabelos pretos e sorriso branco. Ele alto, moreno, um bigode lustroso e onze anos mais velho. Ficou feliz por saber que o marido tinha um bigode e não permitiu que ele se desfizesse do tal durante toda a vida.
Moravam na fazenda. Ele cuidava da roça e ela da casa. Tiveram onze filhos, dois morreram e os outros nove não se tornaram grande coisa na vida, mas ainda assim eram motivo de orgulho da mãe e às vezes do pai. A vida pequena do interior. Mudaram-se para a cidade e moraram em uma casa pequena apenas os dois e a filha que não se casou. Vieram muitos netos, vinte e três ao todo, todos lindos, alguns parecidos a macaquinhos e ainda assim lindos. Envelheceram devagar, não tinham pressa. Ele morreu. Sentado em sua cadeira predileta sentiu uma dor no peito e caiu no chão. A filha solteirona correu pelo socorro. Tarde demais. Ou cedo, depende que quem sente.
Parecia que ela também morreria a qualquer momento. Uma tristeza dominadora montada à cavalo em suas costas. O tempo passou. Passaram-se onze anos. Passam as horas.
Sentada na cadeira do marido ela esperava sua hora. Conceição e a filha, sempre tristes sempre alegres.
As visitas dos filhos foram rareando com o tempo. Os netos vinham ainda menos. De manhã ela varria na calçada as folhas da imensa sibipiruna plantada em frente ao muro. Todo dia. Cochilava em frente à televisão sempre dizendo que estava atenta. Pedia a Deus todos os dias pelos filhos, pelos netos e implorava por morrer deitada. Dormindo.
Ela não rezou com muita fé...
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
"Meu namorado é um sujeito ocupado, não manda notícias, nem dá um sinal."
Discretamente Marisa esconde uma caixa de bombons dentro da bolsa, passa pelo caixa e paga pelo litro de leite em saquinho que resolveu levar. R$ 1,85.
No ônibus, sentada em uma cadeira reservada para deficientes, grávidas e velhos ela abre a caixa apressadamente. O percurso que precisa fazer ainda vai demorar vinte e cinco minutos. Come o primeiro bombom observada por um menino barrigudo com olhos esbugalhados de desejo que está sentado no colo de sua possível mãe distraída. Ela também observa o menino, e mastiga o bombom com a melhor cara de desejo que pode fazer.
Marisa é uma mulher divorciada. Traída pelo marido com um travesti não se importou e perdoou. Ele não quis. Foi embora da cidade. Ficaram Marisa e o filho, que morreu três meses depois por conta de uma meningite.
Marisa não tem pai, nem irmão, apenas uma mãe velha com alzheimer, mora na periferia de Jundiaí, trabalha como secretária em um hospital público e gosta de músicas da Joana.
O menino quase a engole com os olhos.
Finalmente seu ponto, desce correndo e deixa a caixa de bombons em cima do banco. O menino pula do colo da mulher em direção à caixa de bombons. Está vazia, somente os papeis.
Na rua Marisa para um pouco para respirar. Não consegue parar de gargalhar.
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