sexta-feira, 18 de maio de 2007

Um.


A manhã já ia adiantada quando comecei a despertar. O dia estava frio e deixava o corpo com uma vontade de ficar na cama, junto aos cobertores que aqueciam todo o meu mundo. Mas eu tinha que levantar, havia coisas a fazer.

As janelas do apartamento abertas deixavam que a luz inundar todos os lugares. Mas era uma luz baça... O dia estava nublado. Eu, sentado numa cadeira terminava de acordar enquanto a água do café não fervia. O que era mesmo que eu tinha que fazer? Não me lembrava, mas sempre havia algo por fazer e isso graças à minha vida desorganizada. Tomei o café puro, não tinha o que comer e me decidi tomar um banho. Descobri a resistência do chuveiro elétrico queimada, o que me fez tomar um banho quase gelado que me fazia dar pulos na esperança de esquentar um pouco o corpo. Banho frio era saudável, era o que diziam, mas isso não me consolava muito naquela hora. A toalha eu esquecera no quarto, o que me fez sair correndo do banheiro. É que mesmo morando sozinho sentia vergonha de sair nu do banheiro. A janela do quarto escancarada deixava o vento frio do começo do inverno entrar e gelar ainda mais meu corpo molhado. Enxugo-me às pressas e me deito denovo, a fim de me esquentar um pouco. Acabo adormecendo...

Já é hora do almoço e perdi toda a manhã. Penso isso ainda deitado. Levanto-me novamente, me visto e tento buscar coragem para sair de casa. Escovo os dentes pensando na fome que sinto e quando termino essa tarefa relembro que a torneira da pia está com vazamento. Uma goteira interminável, mal sentida nas contas do mês graças ao advento do poço artesiano do condomínio.

Saio de casa, tranco a porta, desço pelo elevador os oito andares que me separam do chão e me encontro com os escolares infantis, prontos para irem em direção aos estudos vespertinos. Eles são eufóricos e barulhentos. A verdade é que eu não gosto muito de crianças entusiasmadas. Prefiro a melancolia da velhice, apesar de estar mais perto de criança do que de velho com meus vinte e dois anos.

Caminho até a padaria da esquina. Compro logo o que preciso sem me demorar muito. Fico constrangido na padaria. A balconista sempre me olha de maneira desconcertante, o que me leva a ter algum recalque de misoginia passageira. Talvez a minha virgindade me faça mais tímido, ou talvez seja virgem ainda por causa da timidez, não sei dizer, o que sei é que a balconista suada não me desperta apetites.

De volta à minha casa. Como pão com um apresuntado vagabundo e bebo um iogurte de frutas mais vagabundo ainda pra tentar fazer tudo descer mais facilmente. Resolvo fumar meu primeiro cigarro do dia. Eu sempre falo que o pior cigarro do dia é o primeiro. Mas é inevitável ou tem como ir direto para o segundo? A pressão cai um pouco e eu fico meio entorpecido. Na verdade é preguiça mesmo. Durmo.

Acordo com a campainha tocando. É um colega meu da faculdade que por uma coincidência infeliz é também meu vizinho. Ele me indaga se estou bem, com algum problema, por causa das faltas freqüentes. Tento alguma explicação que não me deixe com cara de vagabundo e ele se vai. Já são seis da tarde e o dia me escapou pelas mãos.

A noite vai chegando e transformando tudo o que antes era outra coisa. Alguém me disse que essa é uma hora perigosa, mas não me lembro mais quem foi. Coloco um disco pra tocar e me distraio com as musicas, com os meus cigarros, que agora já não me dão preguiça. Resolvo beber vodcka sozinho. E resolvo cantar também sozinho. Quando a noite se completa eu saio sozinho atrás de algo que me distraia um pouco os pensamentos. Sei que vou ficar sozinho em algum bar, bebendo e observando os andantes. Todos risos e alegrias e eu comigo em meu mundo.

O lugar é conhecido, sou freqüentador assíduo. A única pessoa que me fala é o dono do bar, mas nosso dialogo é sempre objetivo. Peço uma cerveja e recebo um pois não me indicando que serei atendido. Hoje tem algo diferente aqui, uma presença nova. Me sinto observado por outro como eu. Pouco depois descubro que é outra. Sozinha como eu, bebendo, e pensando em algo que só ela mesma pode saber. Nos contemplamos por muito tempo.

O bar já vai fechar. Pago minha conta e quando percebo ela já não está mais ali. Uma certa mágoa me bate por não ter conversado com ela, mas passa instantaneamente. Estou acostumado a não ter pessoas para mim. Saio do bar e caminhando busco o caminho de casa nessa noite bastante fria. Na esquina encontro-me com ela, que me olha, mas não fala nada. Eu também olho e como ela também não falo nada.

Ela se aproxima, segura a minha mão e me puxa para um destino que desconheço. Logo chegamos na sua casa. Nenhuma palavra é dita. O silêncio nos une cada vez mais. Agora somos amigos, mas não são horas para conversar com amigos. Ela me leva ao seu quarto perfumado e se despe dos vários agasalhos também perfumados que lhe cobriam o corpo. Nua, faz o mesmo comigo.

Nos deitamos. Nos abraçamos e acabamos dormindo nesse abraço. A manhã chega e nos acorda. è a primeira vez que não me sinto triste de manhã. Eu já a amo e ela me diz bom dia.

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