sábado, 26 de dezembro de 2009

Graças a Deus.


Laura levantou-se com uma tensa dor de estômago. Comera demais. É o Natal. Sempre muito calórico. Laura prometeu que ano que vem vai se cuidar mais, vai parar de fumar, vai ser menos superficial, vai se esquecer das ofensas que sofreu.
Laura pediu sinceramente a Deus que pudesse esquecer-se de tudo.
Vai ser atendida.
Vai sofrer um acidente, um escorregão, vai bater a cabeça.
Traumatismo craniano.
Amnésia total.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Previsão do tempo para o Brasil e o mundo.


De femininos entendimentos a carência foi formada. Sim, as mulheres são superiores vezes mais carentes que os homens, mas nesse momento não vamos falar sobre uma mulher. É um homem quem vira ansioso para o lado e diz: Ei, me dê atenção!
Que ele pratica quatro diferentes artes marciais, que tem o corpo tatuado, que gosta de brigar todos podem sabem. É quase perceptível quando ele quer. Mas também é gentil. E isso é bom porque a gentileza é uma coisa bastante rara nos dias de hoje. Talvez a auto-ajuda, o individualismo e o não poder levar desaforos para a própria casa tenha feito os homens e a mulheres mais desinteressantes nos dias de hoje.
E ele também é gay desde criança. E foi adotado. E sonha em ser uma grande estrela de filmes de luta com temática homossexual. Dizem por aí que Almodovar adoraria conhecê-lo pessoalmente, mas isso talvez seja um pouco exagerado. O que não é exagero é sua vontade de ser mulher, de sentir como mulher, de olhar para as coisas como mulher. Não tem como. Nasceu homem, mas ensina defesa corporal para um grupo de mulheres de quarenta anos. Elas acham ele tão divertido. Todo gay sofre com isso. É o que se pode chamar de mal do divertimento homossexual alheio. Ou alheio mal de divertimento homossexual. Ou divertimento alheio do mal homossexual. Complicadissíma essa questão. E toda bicha sofre um pouco mais por ser engraçada aos olhos dos outros.
Soube que está machucado. Apanhou. Foi pego de surpresa. Provavelmente está chorando agora, envergonhado, trancado no quarto, enquanto a chuva deixa o calor menos sufocante.

sábado, 14 de novembro de 2009

Sumida Sueli.


Dona Nilza sempre soltava os cachorros no final da tarde. Sentido literal, nada de histerias escandalosas e formidavelmente despeitadas. Não que ela não fosse dada a esses comportamentos tempestuosos. Uma mulher de verdade sempre carrega a tempestade consigo mesma. Confiante.
Os cachorros em questão são duas cachorras. Cachorrinhas. Sandy, uma vira-latas de dez, onze ou doze anos, nunca se recordam ao certo quando a cachorra nasceu, ou apareceu. Sueli, a filhotinha, fruto de um amor escapado de Sandy, concebida num desses finais de tarde. Maternidade tardia, diriam alguns, mas isso não é considerado quando falamos de uma vira-latas, até certo ponto simpática, que não visitou o veterinário uma vez sequer em sua existência canina, que se me permitem os cauculos, já passa bem dos setenta anos.
Sueli é a reencarnação do mal. Isso digo porque não sou desses que se apegam à falta de personalidade do cão para tentar encontrar reflexos de sua própria naquele espelho quadrúpede. É que não gosto de animais. Não os quero extintos, longe disso defensores, não pensem isso de mim, mas nunca consegui entender o porquê de se criar um cachorro. Nem ao menos caço. Sueli não seria uma boa caçadora. Talvez surpreenda. É branquinha, peludinha, com algumas manchinhas pretas pelo corpo. Muito fofa. A fofura é um adjetivo bastante maleável, pode indicar uma espécie de delicadeza fresca e feminina, até mesmo infantil, ou não. É por isso que gosto bastante da ironia. Sueli é fofa. Impressionantemente destrutiva, a julgar pelo seu tamanho e sua fofura. Unhas e dentes para quem os tem.
Aconteceu na terça-feira, soltas pela dona correram na direção da praça que ficava logo na frente da casa. Um mundo de grama, arvores, bancos, jardins, infinitamente maravilhoso com seus cinquenta metros quadrados. Histeria. Corriam sem parar, se mordiam, se lambiam, se mijavam. Dona Nilza sempre esquecia as cachorras ali por uns vinte minutos, o suficiente para se satisfazerem de liberdade.
O que aconteceu também foi que Sandy voltou assim que ouviu o grito indelicado da dona. Mas voltou sozinha. Dona Nilza partiu numa busca imediata pelo quarteirão. Gritou. Sandy foi junto. Latiu.
Nada.
Sandy sofreu a tristeza da perda e sofrerá a tristeza de ser uma velha solitária. Dona Nilza amaldiçoou a família do raptor até a sua décima terceira geração. Sueli provavelmente vai ser mimada pelos novos donos encantados com sua fofura de filhote.Mudarão seu nome. Talvez Fofinha, Tetéia ou Honey.
Que fique aqui registrado meu desconsolo. Quem escolheu esse nome, Sueli, fui eu.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Desabafo daquele que se descobre alegre demais.



Os portugueses de quem mais gosto são tristes. Fernando, José, Florbela. Acho que por isso mesmo sempre quis ser português. Essa tristeza tão bonita que...
Uma tristeza pura, tristeza realmente sentida com toda a dor que se pode sentir. Não sejas mesquinho com a dor, use-a o quanto pode. Dor de sentir-se tão si mesmo. Talvez essa seja ela.
Os portugueses e essa tristeza só deles.
Gosto dos sentimentos exagerados. Não gosto de sentir as coisas de menos.
Acho que sempre sinto as coisas de menos.
Talvez apenas desconheço-me.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Carne moída com despeito.


De todas as ruínas que uma pessoa pode amargar a pior é o abandono. Maristela foi abandonada pelo namorado. Ela que tinha se tornado uma mulher sem graça para agradá-lo. Ela que se anulou. Ela que não tinha mais aquele sorriso de hipnose. Ele foi embora. Ela morreu. Não de tristeza.
Engordou devagar e persistente nos cinco anos que se seguiram. Transou apenas mais duas vezes, e isso no primeiro ano. Não conservou os amigos. Voltou para a casa da mãe. Engordou um gato asmático e antipático.
Foi atropelada por um onibus enquanto comia uma bomba de chocolate distraída. Estava na faixa de pedestre mas o açúcar delirante do recheio de brigadeiro a impediu de ver o sinal aberto para a avenida abarrotada de carros.
Os passageiros reclamaram do atraso inesperado. Xingaram a desconhecida gorda Maristela amassada e triturada pela roda do onibus. Todos xingaram a gorda. Xingaram tanto que Maristela se ofendeu. Agora é uma alma dessas bem assombradoras. Aparece todas as noites na doceria. Não permite que ninguém se aproxime das bombas de brigadeiro antes que o sol nasça novamente.
A doceria abre às oito.
Fecha às seis.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Aternativas apresentadas para questões da vida e da morte.



Bonitas histórias de amor e amizade sempre ficam mais bonitas narradas por uma voz acalentadora de uma senhora sóbria e generosa, podendo ser também a voz um meio grave meio rouca velho experiente e caridoso ou ainda a voz fresca de uma criança alegre e esperançosa.

A criança diz:
- No dia em que Keityany foi estuprada sua mãe dormia bebada caida no chão da cozinha do lado de uma garrafa de cachaça quase vazia. Ela tinha sete anos. Foi encontrada com um tubo de desodorante dentro da vagina. Foi estrangulada. O assassino ajudou nas buscas. Foi pego. Preso. Tranferido. Morto. Suicidou-se no presidio de Uberaba. A mãe da menina reclamou. Queria ter tido tempo de matá-lo.

O velho diz:
- Quando Nestor Guerra descobriu que tinha cancer na próstata e foi avisado de que teria no máximo um mês de vida sentiu que morria antes da hora, naquele exato momento, com aquela noticia. O mês não passou lento como ele desejava, e nem foi por momentos vividos com despedidas alegrias. Nos poucos momentos de consciência, sentia uma dor desesperadora. Uma dor dupla. A dor do cancêr destruindo suas vísceras e a dor de saber que ia morrer. Guerra nunca disse que preferia morrer de um jeito ou de outro. A morte não é um rito de passagem.

A senhora diz:
- Rafael casou-se com Mariana. Ele tinha 26 anos, uma pequena fortuna herdada do pai, era bonito, promissor, fértil. Ela tinha 20 anos. Rafael teve dois filhos que não se tornaram grandes gênios da ciencia ou brilhantes talentos do esporte. Não ficou mais rico nem mais pobre. Ouve musica sertaneja no rádio do carro. Tem um Rolex falsificado. Largou a mulher depois de 23 anos de casados depois de ter se apaixonado por uma atendente de uma loja de conveniencias de 20 anos. Ela gosta de Funk. Mariana amargou o esquecimento em toda sua vida. Até mesmo na sua vez foi coadjuvante. Uma história fosca.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A musa.


Num fim de tarde chuvoso dois rapazes existem. Um gosta de música. O outro não gosta de muita coisa.
- Essa semana eu lí algo sobre física. Falava sobre termos mais de 4 dimensões. Falava também sobre algo em torno de 14 dimensoes.
- E agora?
- Uma pessoa poderia ter desenvolvido, ou conhecer e ser a prova viva
de que existem tais dimensoes e numa delas ele cápta ondas de FM dencentes.
- Nossa, isso é ficção científica?
- Entre 14 dimensões naum ter umazinha FM que seja. Puta que pariu.
- Tem que existir pelo menos uma né?
- Mesmo que não existam tais dimensões, se já inventaram 14, seja vc o visionário a anunciar a 15. Pode ser o título do seu livro: A 15° dimensão.
- Ótimo, impactante.
- As ondas invisiveis sobre pessoas visiveis.
- Legal...
- Porém não notáveis.
- Não?
- As ondas invisíveis sobre pessoas visíveis porém não notadas...
- Como?
- As pessoas... Ah, você entendeu.
- Eu entendi sim.
- Que bom, adoro pessoas inteligentes, preenche essa minha deficiencia.
- Desliga esse rádio, vai.
- ...

A transmissão está sendo encerrada.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

De como a necessidade de autoconhecimento levou Jairo a botar fogo no mundo.


Jairo passou pela vida sem ter seu trabalho reconhecido. O suor escorreu em vão. Sua arte nunca fora entendida. Sim, arte, era assim que ele gostava de chamar o trabalho. Jairo sempre amou o que fez, desde o dia em que teve a ideia que mudaria sua vida, sua visão do mundo em que vivemos, sua maneira de se expressar. Se não fosse Jairo, nosso mundo seria diferente.

PIRO JARDINAGEM.
Serviço inovador de póda de jardins feito com
um moderníssimo aparelho de lança-chamas.
Técnica israelense. Evite gastos desnecessários
com o seu jardim, a piro jardinagem resolve de
maneira definitiva qualquer problema com seu
jardim. Jairo Pereira, 3775-6557.

Jairo também oferecia amor.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Pensamentos matinais.


Quando Gustavinho acordou não imaginava como seria o dia que já ia pela metade. é que gustavinho sempre se levanta muito tarde, até gostaria de se levantar mais cedo, aproveitar a manhã, mas... aproveitar como? Enquanto não solucionava essa questão continuava dormindo até as duas da tarde.
A casa está impressionantemente bagunçada. Quarto, sala, cozinha, uma lavanderia minúscula, o banheiro, e nem o menor sinal de organização. E ele consegue fazer tudo isso sozinho. Sai da cama pisando nas roupas jogadas no chão enquanto caminha certo para o banheiro. O pinto duro causa uma certa dificuldade na mijada. É incontrolável. E rotineiro. Todo dia a mesma coisa, graças a Deus. O dia em que acordar e perceber que não está de pinto duro vai ser o começo de sua tristeza.
Isso porque Gustavinho adora o próprio pinto da maneira mais apaixonada possível.
Talvez a noite seja realmente melhor que o dia.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ideias reutilizadas. Palavras repetidas. Frida. Pizza.


Quando Carlos compreendeu a verdade que o cercava sentiu o vazio. O vácuo. Nada.
E não podia esperar nada do nada. Tudo lhe soava falso. Ele era o único verdadeiro, o único que não ensaivava seus próprios atos.
Na verdade ele era como todos os outros. Insinceros. Sua única verdade era a falta dela mesma.
"Vamos?"
"Não."
"Vamos! Todo mundo vai.
"Eu não."
"Porquê?"
E Carlos se apagava. Talvez toda essa tristeza, esse desassossego, essa solidão fossem apenas fome.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Formicida.


Quando o sono começou a abandonar o corpo de Mariana nessa manhã a primeira consciência que lhe veio à cabeça não foi feliz, ou talvez seja. Primeiro de Julho. Tentou se segurar em vão no sono que já escapava de vez. Não adiantava mais. Ficou ainda uns vinte minutos ou mais deitada, de olhos fechados. Sentia que o quarto já estava mais quente, que o sol convidava para um dia possivelmente azul com nuvens brancas e brisas leves meio frias meio mornas.
Não queria se levantar, mas acabou fazendo-o com certa resignação. A cama vai ficar amarrotada. Devagar vai até o banheiro, olha-se no espelho. Desgosta-se. Tudo lhe parece feio e realmente é. Gorda, branca, descabelada, descuidada. Antes de escovar os dentes sente a tristeza de ser quem é. E como o tempo respeita mais a tristeza que a alegria o dia vai passar vagarosamente.
Sentada em uma cadeira na cozinha ela espera que a água ferva para poder passar o café. Sentada ela pensa no marido que foi embora, e que “não aguenta mais”. Lembra-se da triste carta de despedida que recebera, não fora digna sequer de um telefonema. Quase um bilhete. Sentia o útero secando como uma ameixa quando se lembra daquele “não te quero mais” rabiscado com desleixo e desdém em uma folha de caderno.
Enquanto a água não começa a borbulhar, Mariana lembra-se do que já foi. E isso é um pleonasmo, pois para se lembrar de qualquer coisa, ela já deve ter acontecido. Senão não são lembranças, são devaneios, sonhos, delírios ou ócio. Sentada ela se lembra dele entre suas pernas, entre seus seios, entre seus abraços. Lembra o suor escorrendo devagar pelas costas, lembra o beijo demorado, lembra o cheiro doce, o gozo forte, o sono tranquilo.
A água ferve. A garrafa térmica já está preparada com o coador e o pó. Logo o cheiro reconfortante do café quente começa a se espalhar pela casa. “Ele gostava do meu café”, suspira. Lembrou-se do primeiro beijo, cinco anos atrás, exatamente naquele dia. Um beijo delicado.
Neste momento Mariana está sentada, olhando para a geladeira, como se não estivessem ali nem a geladeira nem ela mesma. Talvez estivesse em São Paulo, com outras mulheres e outros amores.
O café estava mais amargo que o de costume.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Um noite mal dormida de um Papa octogenário.


“O final é sempre vitória.”

Essas eram as palavras do pastor evangélico que saiam altas das caixas de som da televisão.
Kátia cozinhava. Macarrão. É mais fácil e mais rápido. Depois de um dia cansativo de trabalho era o melhor a se fazer. A cama era a necessidade mais urgente.
O pastor começa a falar em uma língua desconhecida.
Kátia está com os cabelos molhados, uma camiseta grande, branca, velha e nenhuma lingerie. Os seios enormes salientam-se desesperadamente para o horizonte. Grandes e redondos dois melões amarelos apodrecem na fruteira esquecida num canto da cozinha.
Foram oito programas à vinte reais. Noite boa, amanhã talvez não tenha que trabalhar. Mas sempre vai. Ela gosta.
“Nosso deus não faz acepção de pessoas.”
O que é acepção? A dúvida tem pouco tempo de duração. O pastor explica que o deus dele não exclui ninguém.
Mentira. O travesti, originalmente chamado Lauriston da Costa Duarte, hoje Kátia Sabattinni vai arder no inferno. Antes vai morar em Milão.
Grandes bolas de fogo começam a cair do céu.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Frutos de uma imaginação moralmente desmotivada pelo desassossego.


E sentado no sofá da sala de sua casa ele fuma mais um cigarro. Light. E pensa. Pensa no comodismo do delivery de comida, na dor no joelho (sempre que esfria seu joelho reclama, não, ele não é um velho, mas as vezes age como se fosse), pensa no abandono atual e até na situação das mulheres no pós segunda guerra.
Uma lagartixa anda solitária por entre as panelas no armário da cozinha, coitada, tão esbugalhada, tão sem pensar no frio malvado para os répteis, ou na crise econômica mundial ou simplesmente na bezerra, mais coitada ainda, morta e motivo de comentários diversos e jocosos.
Ele vai morrer de enfisema pulmonar daqui uns anos. Talvez consiga parar de fumar antes e viva mais alguns anos desgostosos sonhando com cigarros gigantes falantes e entorpecentes envolvendo seu corpo em uma fumaça nirvânica. Talvez morra atropelado, velho.
Ela vai morrer essa noite mesmo. É o frio. Justo ela que nem queria a morte, fazia planos para o futuro, conhecer a Espanha, assistir a todos os filmes de Godard, tomar sorvete de doce de leite. "A vida é sempre menos do que queriamos" é assim que Gilda, a lagartixa (sim, ela tem um nome, o pai era fã de Rita Hayworth) suspira e já não é mais.
Ele sou eu. Ela nunca existiu.

terça-feira, 12 de maio de 2009

"Quando eu crescer, quero ser feliz como a Barbie!".


Lucinha sempre ficava tensa quando falavam em casamento. Sentia uma dor semelhante a um beliscão forte no mamilo quando lhe falavam que ela iria crescer, virar uma mulher linda, se casar, ter uma linda casa na qual cozinharia e lavaria e limparia para um homem que com o tempo poderia chegar até a dobrar de tamanho e claro, dois lindos filhos hiperativos. Lucinha ainda era uma menina de apenas sete anos e não sabia nem o que poderia acontecer dali a cinco minutos, quanto mais o que poderia acontecer anos depois.
Nessa época um circo passou pela cidade, ficou uma semana e depois foi embora.
Vinte anos depois Lucinha é lésbica. É também motorista de caminhão. Lucinha não confessa a ninguém que dorme com uma meia enfiada na cueca imitando o que poderia ser um pênis.
O vizinho evangélico a chama pelas costas de "a mulher barbada".

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Da fundação da Escola de Arte Surrealista de Frutal.


Levanta! Vai ver o que acontece lá fora! - é o cachorro que late e que se pudesse diria isso ao dono que dorme jogado em um móvel (tudo o que se pode mover) que provavelmente substitui funcionalmente um sofá.
Bebado! - é o cachorro que já não tem mais vontade de latir e que se pudessemos dizer isso, resmunga, talvez como protesto. Bebado, o dono dorme, seu abdome oscila como uma gigantesca onda gorda e branca. O ronco é perceptível na casa vizinha. Talvez isso seja um exagero, no quintal, na calçada já seria muito. Um certo fedor denso e quente toma conta do ar: cigarro, cerveja, suor, peidos e um bafo que os mais exigentes diriam ser o de algum bicho morto. Todo mundo exagera muito. No sonho: Penélope Cruz. Insinuante.
A ressaca tem um poder revolucionário: Penélope nem chegará a ser lembrada em função de uma dor de cabeça que possivelmente dói mais que a própria vida. Um banho para o recomeço da recuperação. Os dentes serão escovados com uma certa dificuldade, talvez ele até vomite. Depois disso o dia transcorrerá lentamente. Mas isso não é agora. Ainda não. Uma ou duas horas.
O cachorro volta a latir desesperado.
Absolutamente desesperadamente.
Um imenso porco cor de rosa ocupa metade da sala. Ele também ronca.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

De como Freud viajou até a periferia de São José do Rio Preto.


Maíra levanta-se com a claridade que entra no quarto todos os dias pela fresta da janela propositadamente aberta. Hoje o sol entrou e ela acordou às 8:00 horas em ponto. Sempre.
Maíra sempre sonha e sempre se lembra do que sonha. Ela não acredita no horóscopo, mas acredita realmente que seus sonhos são uma espécie de prefácio de seus dias. Então funciona assim: Maíra dorme; Maíra sonha; Maíra se baba; o sol entra pela fresta da janela deixada propositadamente aberta; Maíra acorda e se despe e corre para o chuveiro pensando no que sonhou com medo de esquecer mais uma vez, sempre que esquece passa o dia todo esquecida, mas na maioria dos dias interpreta seus sonhos e sai feliz ou infeliz para o trabalho.
Hoje Maíra sonhou que seu namorado havia abusado sexualmente de um garoto de doze anos e por isso mesmo estava sendo procurado pela polícia. Ela corria muito tentando escondê-lo de seus perseguidores.
Maíra tem dúvidas sobre a interpretação do próprio sonho: não sabe se vai ser morte na família ou se vai ter problemas financeiros. De qualquer forma, no caminho de casa para o trabalho ela, garantindo sua sorte, joga no veado.
Deu porco na cabeça!

terça-feira, 7 de abril de 2009

Materno.


Vou ser tio.
E esse deve ser o máximo contato que terei com a reprodução humana.
Quem me dera não tivesse nascido gay. Estaria talvez, agora ou em algum futuro qualquer , trocando fraldas de um ser que não controla os próprios esfíncteres.
O amor é uma coisa bastante difícil de se explicar em palavras.

Para Letícia Sabatella.


De repente um estrondo. Algo explode. Um clarão imenso. Depois o escuro. A água cai forte.
Muita água com muita força. Rápido as enxurradas tomam conta das ruas.
As enxurradas encardidas.
Nessa noite um bêbado, coitado, vai ser levado pela água. O corpo vai ser encontrado daqui dois dias todo coberto de lama.
Enquanto a energia não volta um gordo se masturba deitado em sua cama de solteiro em seu quarto escuro indiferente à chuva, ao bêbado, à lama.
Ele fantasia com seios pequenos.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Poesia.




Tem dias que eu sofro de insônia.
Tem outros dias em que eu acordo no meio da noite.
Às vezes consigo dormir como uma pedra.
Tem dias em que sonho com o aquecimento global. Um sol gigante, vermelho. As pessoas correm na direção contrária, mas a Terra gira. A Terra sempre gira. Acordo suando. Não consigo mais dormir. Bato uma punheta para tentar relaxar. Suo mais ainda. Tomo um banho e durmo tranqüilo.
O relógio desperta meia hora depois.
Eu peço a morte.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Incondicional.









De tarde.

- Alou?
- Oi? Mãe?
- Oi, meu filho, como você está? Tudo bem?
- Tô bem sim mãe, e a senhora?
- Eu to bem também. Só cansada, hoje o banco foi complicado.
- Então mãe, tô ligando pra falar do Show da Madonna.
- É? Que coisa!
- Então mãe, eu tô querendo ir.
- Ah meu filho, a gente tem que ver isso, tem que ver se tem dinheiro.
- Então, eu tô ligando só pra falar que eu vou, se a senhora pagar vai evitar de eu ter que me prostituir, ou vender drogas ou algum dos moveis de casa.
- Mas isso não é um pedido, é uma intimação.
- É por aí mesmo. Beijo mãe, agora tenho que desligar, tchau!
- Tchau meu filho, beijo!


De noite.

- Miltim!
- Hummm?
- Miltim! O travesti do seu filho Miltim!
- O que?
- O travesti do seu filho Miltim. Ele quer ir no show da Madonna, Miltim, e ainda teve coragem de falar que vai se prostituir Miltim.
- Mas...
- Miltim, você vai dar o ingresso pra esse menino, Miltim. Não basta querer ser artista, acha que vai ser atriz, ainda quer ser travesti. Eu não vou aguentar isso Miltim, eu não vou aguentar.


Milton dorme e sonha que passeia de carro pela cidade.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Diabetes.


Visitar minha tia é sempre muito doce. Além de toda sua gentileza e atenção ela prepara tudo o que tiver como açúcar o ingrediente principal, e faz tudo muito bem. Mistura bananas, maracujás, suspiros, leite condensado. É uma maravilha.
Depois de comer fico vendo o jardim mal cuidado que ela tem em sua casa, coitada, não é sua culpa, ela não tem ânimo pra cuidar de jardim nenhum.
É gorda como um sonho de padaria.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

In Technicolor.



_Só posso ver o mundo pelos meus olhos. Os outros que vejam com os deles, mas o que vejo é sempre melhor, mais colorido. Quando amo também é assim. É um amor só meu... Tento compartilhar, mas, sinceramente, sinto que é impossivel.

_A verdade é que vc me ama, só não entendo porque não quer se casar comigo...

_Nem eu.
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